Uma parte importante do planejamento da mulher que deseja engravidar é avaliar como está sua saúde. Um dos quadros que precisam ser tratados antes da gravidez são as Doenças Inflamatórias Intestinais (DII). Normalmente, elas afetam mulheres em idade fértil. Por isso, é natural que, em algum momento, a mulher que enfrenta uma DII deseje se tornar mãe.
Então, surge a dúvida: será possível realizar esse sonho apesar da doença? O fundamental é planejar a gravidez e o melhor momento para isso é quando a doença estiver em completa remissão (momento em que ela não manifesta sintomas). Entenda mais sobre o assunto.
O que é a Doença Inflamatória Intestinal (DII)
Doença Inflamatória Intestinal (DII) é o nome dado a vários tipos de distúrbios que provocam inflamação crônica do trato digestivo. Cerca de 10 milhões de pessoas em todo o mundo têm DII, de acordo com o Ministério da Saúde. Elas são doenças autoimunes com componente genético, normalmente poligênico, ou seja, com diversos genes que participam da predisposição à doença.
São confirmadas a partir de um conjunto de sinais e sintomas que se manifestam, como diarreia com sinais de alarme (sangue), dor abdominal do tipo cólica com períodos de piora ou melhora, mas persistente, perda de peso sem motivo aparente, deficiências de vitaminas, entre outros. As DII mais comuns são: a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa.
As formas precoces e graves podem ter hereditariedade mais evidente, com um ou poucos genes alterados. A exposição ambiental também parece ter papel no desenvolvimento das DII, no entanto ainda não é possível associar um hábito alimentar ou de vida específico ao seu surgimento.
Fatores de risco
Conheça a seguir os principais fatores de risco para DII:
Histórico familiar: pessoas com parente de primeiro grau – como pai, mãe e irmãos que possuem a doença;
Idade: grande parte pessoas com DII é diagnosticada em média aos 30 anos de idade, enquanto algumas desenvolvem a doença com 50 ou 60 anos;
Fumar: o tabagismo é um grande fator de risco que é possível controlar para o desenvolvimento da doença de Crohn.
Medicamentos anti-inflamatórios: alguns medicamentos podem aumentar o risco ou piorar os sintomas da DII.
Fator ambiental: dietas rica em gordura ou alimentos refinados, processados e ultraprocessados.
Como a DII pode afetar a gravidez
É importante destacar que, em geral, a fertilidade da mulher que possui DII não é diferente das outras mulheres. “Em situações específicas pode haver uma diminuição da fertilidade da mulher que tem DII. Aquelas que tiveram que retirar todo o intestino grosso e usam bolsa ileal podem ter fibrose nas trompas uterinas, o que dificulta a implantação do óvulo”, alerta a dra. Renata Filardi Simiqueli, médica gastroenterologista do Hospital Brasília e do Núcleo Especializado de Doenças Intestinais Complexas (NEDIC).
A médica aponta ainda outros fatores que podem interferir na fertilidade da mulher com DII, como a própria atividade da doença e fatores psicológicos (transtornos de humor ou ansiedade), que levem ao medo ou à não vontade de engravidar. Por isso, continua, é tão importante que a mulher busque primeiro a remissão da DII para engravidar.
Mas, o que significa essa fase de remissão para uma gestante? É quando a mulher está sem atividade inflamatória durante a gestação, ou seja, sem queixas clínicas, além de apresentar provas de atividade de inflamação no sangue e nas fezes (PCR e calprotectina fecal) com valores controlados, assim como exames de colonoscopia ou exames de imagem também sem sinais de inflamação ativa. Isso vai além de apenas uma melhora clínica, que é somente a diminuição de sinais e sintomas. “Uma vez que a paciente esteja com doença em remissão por um período de 3 a 6 meses considera-se segura sua gravidez, com alta possibilidade de boa evolução e de bons resultados para o bebê até o parto”, acrescenta a médica.
A atividade inflamatória da DII durante a gestação apresenta alguns riscos tanto para a mãe como para o bebê. Para a grávida, há o risco de eventos tromboembólicos (quando um coágulo se forma na circulação sanguínea, prejudicando o fluxo de sangue nas veias pelo organismo), e ainda um aumento do risco da necessidade de cesariana. Já para o neném, se a gestante estiver com a DII em atividade, há um aumento de 2 a 3 vezes na chance de a criança vir a nascer com baixo peso, em parto prematuro ou, ainda, ocorrer um aborto espontâneo. Mas vale lembrar: quando a doença é tratada e controlada, a gestação pode acontecer de forma tranquila e saudável para ambos, com riscos de complicações reduzidos e semelhantes aos de outras grávidas que não apresentam DII.
A especialista faz outro alerta importante: “Não acredite na frase, que é um mito e nos atrapalha muito na condução de mulheres com DII que querem engravidar: ‘engravide porque aí sua doença inflamatória vai ficar mais branda’, isso não é verdade”. Ao contrário, informa a médica, cerca de 70% das mulheres que engravidam com a DII em atividade podem experimentar uma piora no quadro.
Exames
As pessoas que vivem com DII têm por rotina a realização de vários exames para monitorar a saúde. A médica explica que, durante a gestação, os acompanhamento precisa continuar, mas com alguns cuidados específicos. “Exames laboratoriais são extremamente seguros e importantes ao longo da gravidez. Para acompanhamento de possível atividade da DII, exames como PCR e calprotectina fecal são confiáveis e não sofrem nenhum erro de interpretação na gestante”, explica a dra. Renata.
Em relação aos exames de imagem, a ecografia de abdômen é segura, pode ser realizada ao longo de todos os trimestres e é método de escolha. Já os exames de Raios X e tomografia não devem ser realizados porque emitem radiação que pode impactar no desenvolvimento do bebê. A ressonância magnética precisa ser evitada no primeiro trimestre, pois o contraste gadolíneo pode causar malformações no bebê.
Quanto à colonoscopia, a médica afirma que pode ser realizada. “Porém, devemos evitar este exame no primeiro e no terceiro trimestre de gravidez, pelo risco de abortamento”, completa. Ela alerta ainda que o bebê deve ser monitorizado durante o exame em qualquer etapa da gestação. Além disso, ressalta, “deve-se sempre optar por medicações (sedativos) mais seguros – como o propofol.” A retossigmoidoscopia passa a ser considerado um exame seguro, pois é curto e pode ser realizado sem sedação, não apresentando risco ao bebê.
Tratamento
Embora sejam crônicas, as DII podem ser tratadas. Atualmente existem terapias muito eficientes. Casos mais leves são tratados com medicamentos, já os mais complexos podem necessitar de intervenções cirúrgicas. Com a doença em remissão é possível levar uma vida normal e, inclusive, engravidar com tranquilidade. Quanto mais precoce o diagnóstico, melhor o tratamento e menos chances de complicações em longo prazo.
As DII são doenças que afetam, sobretudo, o intestino. Porém, podem causar inflamação em outros sistemas e órgãos. Essas manifestações são chamadas de extraintestinais e podem afetar fígado, articulações, pele, olhos e cavidade oral. Caso essas manifestações aconteçam, é importante buscar um acompanhamento multidisciplinar, com reumatologistas, hepatologistas, oftalmologistas, dentistas e dermatologistas, por exemplo, caso essas manifestações aconteçam.
Em relação ao tratamento da DII já durante a gestação, a maioria dos medicamentos são considerados seguros. Além do mais, os riscos por não tratar podem ser ainda maiores para a mãe e o bebê do que o início do tratamento propriamente. Muitas mulheres que possuem DII e engravidam ainda têm a percepção errada que a medicação será mais prejudicial ao bebê do que a doença não controlada, mas isso não é verdade.
Soma-se ainda a desinformação e medo transmitido a essas pacientes, que acabam interrompendo o uso das medicações, por opinião de outros familiares, mas principalmente por outros médicos. Por isso, para que tal informação e percepção errada não aconteça é importantíssimo se discutir sobre o assunto para que essas mulheres tenham informação, o que permitirá segurança ao longo de todo o processo da gravidez.
No entanto, as terapias de DII escolhidas para uma gestante serão decididas e discutidas de forma multidisciplinar, com o gastroenterologista (que trata doenças inflamatórias intestinais), obstetra e pediatra, que irão considerar toda a segurança para a paciente e para o bebê em formação.
Medicamentos para tratar DII em gestantes
Você deve estar se perguntando: “Se uma mulher já usa medicamento para controlar a DII, ela pode continuar com o tratamento durante a gestação?” A dra Renata responde: “deve-se entender que se uma medicação não é formalmente contraindicada, o uso dos remédios não deve ser interrompido”. A maioria das medicações usadas na DII não causam risco de má-formações ao feto. “Vale lembrar que há exceções: Metotrexato e Tofacitinib. Se você não usa estas duas medicações fique tranquila e continue usando seus remédios, pois o risco de recaída da doença com a descontinuidade do tratamento é maior e pior para o bebê do que qualquer risco com o tratamento em curso”, completa a médica.
Ela menciona ainda medicações muito usadas na DII que podem ser usadas na gravidez, sem risco de má-formações, prematuridade ou baixo peso ao bebê, entre elas: aminossalicilatos (mesalazina, sulfassalazina – seja comprimido ou supositório), imunossupressores (azatioprina), corticoides e as chamadas terapias biológicas (infliximabe, adalimumabe, ustequinumabe e Vedolizumabe). As mulheres que fazem uso de medicações biológicas devem interromper seu uso no segundo trimestre da gravidez (entre 22 a 26 semanas). Tal recomendação, explica a médica, se deve à transferência da medicação pela placenta em maiores quantidades após o segundo trimestre da gravidez, o que pode levar a risco de infecções para o bebê no nascimento. “Esta classe de remédios só não será suspendida a depender da gravidade e dos sintomas decorrentes da doença para a mãe”, continua. Ela reforça que a mamãe deve retomar o uso dessas medicações com 24 horas (do parto normal) ou 48 horas (do parto césareo).
Gestantes com DII podem ter parto normal?
A dra. Renata lembra que a primeira e principal indicação da via de parto é de causa obstétrica, ou seja, qualquer condição que não propicie a progressão do bebê pela pelve materna ou que gere riscos de sofrimento para o pequeno vão fazer com que a via de parto realizada seja a cesariana.
Deve ser considerado parto cesáreo se houver atividade de inflamação no reto, no momento do parto ou, em mulheres que tenham Doença de Crohn, a presença de fístulas perianais (falsas comunicações próximas à vagina ou reto) em atividade. Fora essas situações, o parto normal pode ser realizado.
O bebê nasceu, que cuidados devo tomar agora?
Com o bebê nos braços, agora é importante que a mamãe consiga amamentar o pequeno. A amamentação é extremamente importante como fator de proteção para o bebê e para a mãe. Para o bebê exerce efeito de proteção diminuindo o risco de desenvolvimento de DII em recém-nascidos. Isso acontece porque no leite materno o bebê recebe, entre outros elementos, uma flora bacteriana (bactérias “do bem”), rica e protetora contra agressões das células intestinais do bebê. A prática também protege a mamãe, pois a amamentação diminui o risco de recaídas no pós-parto.
A dra. Renata orienta que, em linhas gerais, as medicações para DII são seguras para o bebê. “Só não é recomendável a amamentação se a mulher faz uso de Metotrexato, Ciclosporina e Tofacitinibe”, explica.
Outro cuidado especial diz respeito às vacinas do bebê. Se a mãe precisou fazer uso de terapia biológica durante a gestação, mesmo tendo interrompido a medicação no segundo trimestre da gravidez, como menciona a médica, as vacinas de agentes vivos não devem ser administradas aos bebês até os 6 meses de idade. São casos de vacinas de agentes vivos: BCG, Pólio oral, rotavírus e vacina tríplice viral. Mas, lembre-se sempre: é imprescindível o acompanhamento do obstetra, do gastroenterologista durante a gravidez e, após o nascimento do bebê, o pediatra também entra em cena. Junto com a mamãe, esses profissionais vão traçar a conduta mais adequada para cada caso.
A Maternidade Brasília oferece a possibilidade de tratamento das DII para a mulher que deseja engravidar e para a gestante. Contamos com equipe ambulatorial multidisciplinar, em constante integração com o NEDIC do Hospital Brasília, centro de diagnóstico para realização de exames e unidade dedicada para as DII, com profissionais especializados. Para agendar seu atendimento, ligue (61) 3315-1000 ou acesse aqui.